A aplicação da toxina botulínica na odontologia ultrapassa os limites da estética facial, abrindo espaço para abordagens terapêuticas eficazes no tratamento de disfunções musculares, bruxismo, dores orofaciais e distúrbios da ATM.
Neste artigo, discutimos as principais indicações clínicas, mecanismos de ação e evidências científicas que sustentam o uso da toxina botulínica como recurso complementar na prática odontológica contemporânea.
Vimos anteriormente que um pouco antes da Toxina Botulínica (TxB) do tipo A ser utilizada para fins estéticos, (veja aqui os conteúdos anteriores: #artigo 1, #artigo 2, #artigo 3) o seu uso tinha caráter terapêutico. Teve início na medicina e posteriormente com muitos estudos, comprovações científicas e criação de protocolos foi utilizada também em outras áreas da saúde, como a odontologia.
Histórico da Toxina Botulínica na Terapêutica:
- Nos anos 1980, inicialmente em oftalmologia, teve muita serventia para tratar estrabismo e blefaroespasmo.
- Em 1989, finalmente obteve a aprovação do FDA (EUA) para fins terapêuticos.
- Na década de 1990, iniciaram estudos para também abordar outras indicações, como distonias, espasticidades musculares e enxaquecas, abrangendo outras áreas do corpo além da cabeça. Nesse mesmo período, houve também a descoberta do seu efeito estético, levando à consagração dentro da dermatologia e estética facial.
- A partir dos anos 2000, a toxina botulínica passou a integrar a Odontologia Terapêutica, principalmente por especialistas em dor orofacial, e Disfunção Temporomandibular (DTM), pois a neurotoxina também possui propriedades analgésicas.
O uso dentro da Terapia Odontológica:
- A terapia com este neurofármaco apresenta diversas vantagens, por ser considerado minimamente invasivo. Possui aplicação fácil e rápida, duração significativa do efeito analgésico diminuindo a quantidade de medicamentos analgésicos coadjuvantes, já que estes podem ter o custo mais elevado e causar nefropatias futuramente.
- A toxina botulínica atua relaxando os músculos mastigatórios hipercinéticos como o M. Masseter e Temporal no caso de bruxismo e/ou Apertamento dentário, de modo local e controlado. É usada para modular a atividade desses músculos, reduzindo a dor e melhorando a função, devolvendo, assim, qualidade de vida para o paciente que utiliza desse tratamento.
Lembrando que a toxina por si só não é considerada a terapia principal para DTM, porém possui papel essencial no controle da dor e diminuição das contrações musculares.
Efeitos analgésicos da TxB tipo A:
Segundo estudos realizados em animais, a Toxina Botulínica do tipo A possui ação analgésica tanto periférica (reduz a liberação de neurotransmissores periféricos que atuam na dor e inflamação como a substância P, CGRP e o glutamato), quanto central (após injetado de forma periférica, percorre o caminho até o Sistema Nervoso Central, interagindo com neurônios e a neuróglia).
Casos em que a Toxina Botulínica tipo A pode ser usada no tratamento de Disfunção Temporomandibular DTM:
- Bruxismo e Apertamento dentário
Diminuição da força muscular e proteção dos ossos, articulações, dentes, gengivas e trabalhos reabilitadores (restaurações/facetas em resina, porcelana e até mesmo implantes dentários).
- Hipertrofia do M. Masseter
Diminuição da força muscular e consequentemente do volume muscular.
- Sialorreia
Atua nas glândulas salivares, diminuindo a produção da saliva. - Dor miofascial e cefaleias tensionais
Redução da tensão muscular em áreas de gatilhos miofasciais.
Outros usos descritas na literatura científica:
– Assimetria Facial;
– Paralisia Facial (de Bell);
– Sorriso Gengival (para diminuição da exposição gengival na hora de sorrir);
– Distonia Oromandibular;
– Nevralgia do Trigêmeo.
É importante ressaltar que apenas a dose necessária deve ser utilizada em todos estes tratamentos para não correr riscos futuros de desenvolver o efeito vacina, já que as doses administradas são maiores do que as que são usadas para fins estéticos.
Protocolo de aplicação para Bruxismo e Apertamento dentário:
São inúmeros os protocolos de Bruxismo e Apertamento dentário descritos em literatura e em livros sobre o assunto, os quais se diferenciam na dose e localização dos pontos, porém muito depende sobre a indicação e qual o tipo de caso.
Segue abaixo um protocolo com dose média de aplicação, lembrando que pode sim ser modificada dependendo do caso.
Músculos-alvo:
Masseter (porção profunda)
30 U – divididas em 3 pontos de 10 U (de cada lado)
Localização: vendo o paciente de perfil;
1. traçar uma linha horizontal que vai da comissura labial até o lóbulo da orelha
2. Traçar a segunda linha (na vertical) dividindo no meio dois “quadrados” de tamanho igual
3. A partir da linha vertical, fazer uma segunda linha vertical paralela com espaço de 0,5 cm em direção à orelha
4. No espaço que restou perto da orelha, marcar 2 pontos abaixo e 1 acima centralizado na área demarcada pelo “quadrado”
* Importante pedir para o paciente apertar os dentes enquanto for fazer a marcação para apalpar e definir onde o ponto realmente deve ficar.
Temporal (feixe anterior)
10 U – dividas em 2 pontos de 5 U (de cada lado)
Localização: vendo o paciente de perfil;
1. Traçar uma linha de 1 cm da cauda da sobrancelha em direção à têmpora para localizar o músculo
2. Apalpar o músculo enquanto o paciente morde para fazer 2 pontos com 1cm de distância (pode aplicar no couro cabeludo)
*ambos os locais utilizando agulha longa de insulina
1mL (100U) 30G x 1/2 (13mm x 0,3mm) em 90º
Contando com ambos os lados, a dose total utilizada de toxina botulínica é de 80 U.
A Toxina Botulínica veio para enriquecer não só a Harmonização Orofacial mas também outro ramo da Odontologia que é a Terapêutica em suas várias opções de tratamento. Muitas delas tendo a possibilidade de se associar e potencializar os seus resultados. Por isso, é essencial que os profissionais estejam capacitados a realizar essa terapia de forma associada a outras já comprovadas tão eficazes e assim, garantir segurança e eficiência do tratamento como um todo.
Quiz: Farmacocinética (Absorção, Distribuição e Destino das Drogas)
1. Qual é a principal via de absorção das drogas administradas por via oral?
2. O que é biodisponibilidade?
3. O volume de distribuição (Vd) indica:
4. Qual fator pode diminuir a absorção de uma droga no intestino?
5. O que é o efeito de primeira passagem?
6. Qual classe de drogas tende a ter maior volume de distribuição?
7. A proteína plasmática mais importante na ligação de fármacos é:
8. Uma droga com alta taxa de ligação a proteínas plasmáticas:
9. A eliminação de drogas ocorre principalmente por:
10. Qual fator pode aumentar a meia-vida de uma droga?
REFERÊNCIAS:
– Muñoz Lora VRM et al. Botulinum Toxin Type A in Dental Medicine. J Dent Res. 2019;98(13):1450-1457
– Gart MS, Gutowski KA. Overview of Botulinum Toxins for Aesthetic Uses. Clin Plast Surg. 2016;43(3):459-471.
– De Andrade et al. Effectiveness of botulinum toxin in the management of myofascial pain: a systematic review. Journal of Oral Rehabilitation. (2020)
– Fonseca et al. Use of botulinum toxin in dental practice: a review. Journal of Clinical and Experimental Dentistry. (2019)
– Guardia-Neto et al. Applications of botulinum toxin in dentistry: indications and clinical outcomes. Brazilian Dental Science. (2022)
– International Journal of Oral and Maxillofacial Surgery – diversos artigos clínicos sobre uso da toxina para disfunção muscular e estética orofacial.
– Colhado OCG, Boeing M, Ortega LB – Toxina Botulínica no Tratamento da Dor. Revista Brasileira de Anestesiologia (2009)
– Lora VR, Clemente-Napimoga JT, Abdalla HB, Macedo CG, Canales GT, Barbosa CM. Botulinum toxin type A reduces inflammatory hypernociception induced by arthritis in the temporomadibular joint of rats. Toxicon. (2017)
– Muñoz-Lora VRM, Dugonjić Okroša A, Matak I, Del Bel Cury AA, Kalinichev M, Lacković Z. Antinociceptive Actions of Botulinum Toxin A1 on Immunogenic Hypersensitivity in Temporomandibular Joint of Rats. Toxins (Basel). (2022)
Autora
Dra Giovanna Marques | CROPR 32.802 | CROSP 141.062
Cirurgiã dentista pela Universidade Positivo (Curitiba/PR)
Especializanda em Harmonização Orofacial pela Let’s HOF (São Paulo).